Escrita De Rouxinol

Monday, January 30, 2006

Eu vi a luz!!

O horário nobre televisivo era o mais divertido no prédio: as velhotas finalmente entretinham-se com os galãs das novelas, com quem sonharam todo o dia e toda a noite anterior. As criancinhas filhas de “pais-irresponsáveis-vejam-lá-sei-isto-ainda-são-horas-para-os-meninos- -estarem-acordados” desafiam-se umas às outras pululando entre os sofás das salas dos andares imediatamente superiores aos das velhotas, enquanto os pais e as mães ansiosa e discretamente projectam a fabulosa e cansativa noite que se aproxima (o que também –evidentemente!- corrói as velhotas). É indubitável que estes projectos são amiúde mais divertidos do que o que efectivamente acontece. Os machos que sobram no prédio, à falta de futebol, reúnem-se no tasco lá em baixo onde vão engolindo umas cervejas. Já a apatia adolescente, por seu lado, enrosca-se muito bem no seu ninho com toda a parafernália que possa levar para fazer a ponte entre si e o mundo aliciante que é o não-família.

Qualquer outro grupo social não estava representado neste condomínio.

Num Verão de seca, a luz falhou. Como era de manhã, ninguém prestou grande atenção (“Isto é rápido, daqui a dez minutos os gajos da luz consertam tudinho.”). Mas o dia foi-se adiantando, as velhotas entretanto esgotaram o stock de velas do minimercado imediatamente a seguir ao tasco do prédio (e, por acaso!, é tudo do mesmo proprietário). Quando o Sol se pôs, a rua estava às escuras.

Pois. Quando o Sol se pôs, a rua estava às escuras. Os homens desceram e puseram as cadeiras do café na rua. A velhada acendeu as velas –uma de cada vez, não se sabe até quando é que isto dura-. Os pais das criancinhas deitaram-nas e esfregaram as mãos de contentes. A adolescência fremiu de pânico para descobrir como carregar a bateria da parafernália acima mencionada.

Na manhã seguinte, a electricidade continuava desaparecida. Os pais –derreados!- levaram os meninos à escola e a juventude apressou-se (só a que estava interessada, claro!) para as últimas aulas antes dos exames. Ficaram as beatas e os homens que não trabalhavam.

Entretanto, a noite, como já era de esperar, voltou, e toda a gente sentiu a falta da luz: já é o segundo episódio que estou a perder, carago, não há luz para umas cartadas, esta noite já não aguento, meninos: ninho!

Na tarde seguinte, prevendo já uma noite imaculadamente negra, as velhas tomaram uma atitude: já que não há que fazer, junto-me às outras lá em baixo. Acendeu-se o petromax e era ver a galinhagem cacarejando por entre os raios de luz, como se fosse milho. Para arejar –e a cusquice, já se sabe, agrada a toda a gente- as mães desceram também. E trouxeram os filhinhos. E os maridos. Que por afinidade futebolística atraíram o gado masculino do prédio. A juventude, com o passar dos dias, foi-se acomodando nos amigos ou nos tios e primos com luz para estudar, já não os vemos mais; os exames perduram até depois do conto acabar.

Claro que foi uma noitada. Uma noitada tal que se decidiu repetir a seguir. E a seguir. E no outro dia, seria noite de S. João. Juntaram-se os machos: amanhã, abrimos as grelhas do café e assam-se umas sardinhinhas. As senhoras compraram as sardinhas e o dono do tasco e do minimercado providenciou o balãozinho da praxe. Limpou-se o pó às cadeiras de plástico branco e acomodou-se tudo por baixo das varandas do prédio, com os grelhadores ali ao canto.

Trouxe-se o carvão, os fósforos, as sardinhas, a broa, o caldo verde, os pratos, os garfos, as facas, os guardanapos, as guitarras, a broa e algumas canções lá dos armários e gavetas perdidos de casa. Juntou-se tudo na mesa, uma grande mesa com as mesas de plástico todas enfileiradas, para que tudo fosse de uso comum. “Ó vizinho, olhe as sardinhas, não vão elas queimar!”, “O meu rico filhinho vai ser pai! Vou ter um netinho! Só tenho pena que seja com aquela galdéria…”, “E o seu irmão, vizinha, está melhorzinho?”, “Ó vizinho, olhe um caldinho! Está que nem uma delícia! Tome esta broa para depois empurrar a sardinha.”, “Vou lá dentro buscar a pinga que trouxe no outro dia lá da terrinha.”, “Ó vizinha, está para ali a guitarra abandonada, venha cantar uns faditos! –Ó vizinho, já não tenho idade para isso, como você, deixe-se mas é de coisas!”

Pois é, transcorria a noite leitosamente. Enquanto se consolidava naquele pátio um casulo de ternura e afecto que se afirmava sobre os corredores assépticos e cépticos daquele prédio. Crescia o casulo, crescia uma bolha de ar, maior e maior, cor de rosa-sorriso.

Montou-se, enfim, o balão de S. João. Foi uma festa! Um balão de papel de seda azul, lustroso, brilhante! Abriram o balão e fizeram-no subir. Quando o balão interceptou a bordinha da bolha de ar de carinho, esta desfez-se, numa explosão invisível de brilho, e espalhou-se, como uma onda acabadinha de chegar à praia, pelo bairro, ou mais além, quem sabe?, e banhou aquele povo em purpurina, que não se apercebeu e continuou impavidamente a sua amena cavaqueira até ao desembainhar da espada de luz de Apolo.

Ó!! Olha, olha!, voltou a luz!

Monday, January 16, 2006

Aquele miúdo dois ou três anos mais novo que eu

Concluí recentemente o quão erótico é descobrir casualmente que aquele miúdo por quem tinhamos uma afeição quase maternalista se está a tornar um Adónis muuuuito real. Apetecivelmente real e acessível.

Evidentemente, esta afeição já não é maternalista.